Era assim, eu olhava as crianças brincando e lembrava lembrava lembrava, lembraças boas, escutava uma voz suave, leve, doce dizer : - ô, tia!. E ainda assim eu estava distraida o bastante, envolvida intimamente com o lembrar.
Não tinham homens com mulheres, responsabilidades, trabalhos, projetos, bebidas alcoolicas, cigarros, drogas [além do xarope], nem sequer eu via poluição, não existia nada disso a dez anos atrás, que mundo lindo, que vida linda - não que agora não seja. A beleza mudou, só isso.
E eu ainda ouvia aquela voz, ia entrando, entrando, entrando, e de repente, algo puxa meu casaco e olho para baixo, não tão baixo, na altura da cintura mais ou menos, lindos olhos azuis, cabelos loiros, e o contínuo : - ô, tia! Abri um sorriso, e respondi, fale...
- Vem comigo, preciso te mostrar um lugar lindo!
- Vou sim, mas a gente tem pouco tempo.
- Esse lugar não precisa de tempo, fique calma, vem, vem...
- Tá bom, tá bom, me dê a mão.
- Olha só, se não é mágico!
- É sim, lindo, muito lindo - O problema é que eu não via nada além de algumas flores coloridas, uma lagoa, e um balanço de madeira preso a árvore.
- Só um pouco, tá? - E eu balançava enquanto ela ria, e ela ria, ria, ria, e dizia, mais alto, mais alto.
- Ei, parece que a gente tá voando, não é?
- É sim, o horario também.
- Tia...
- Borboletas, aquelas rosas sabe, as roxinhas também... Sabe?
- Sei sim, o que tem elas?
- Elas tem relógio?
- Elas não!
E eu lembrava, e lembrava, e lembrava, então eu disse, hoje sim, e eu presenciava aquela lembrança, aquilo me fazia rir, e eu ria, ria ria ria, e a gente tomou sorvete e sujou a roupa, comeu cachorro quente e desenhou sorrisos com o catchup, andou na guia, atravessou a rua correndo, e aquilo tudo me fazia bem, muito bem, por que era mágico, com crianças, fica mágico.
- Ô, tia!!
- Oi?
- Obrigada viu?
- Ah, vem cá, me dá um abraço?
- Uhum.
- É que eu preciso dizer que você fez o meu dia ser o mais lindo de todos.
- É mesmo?
- Uhum
- Amanha, a gente vai ser o quê?
- A gente vai crescer, e sonhar também. Podemos imaginar, até lá a gente decide.
- Acho que quero dormir.
- Boa noite, dorme bem tá?
- Tá bom, tia, uma vez meu pai disse que a podemos ter a idade que a gente quer, sabia?
- Eu acho que tô descobrindo... - Colocando o cobertor sobre ela.
- Cobrindo tia, você tá me cobrindo!